A
ECLIPSE DA RAZÃO
HORKHEIMER, M. Eclipse
da razão, São Paulo: Editora CENTAURO, 2012
Max Horkheimer (1895 - 1973), filósofo
alemão de origem judaica, integrante da Escola de Frankfurt, foi diretor o
Instituto para Pesquisa Social da Alemanha. Seu pensamento tem origem nas
ideias de Shopenhauer.
Na obra objeto este resenha, o autor
trata de relacionar o pensamento filosófico com os desafios concretos da
humanidade pensando no futuro na cultura industrial contemporânea, logo após a
Segunda Guerra Mundial. Uma época em que ao mesmo tempo o mundo estava armado,
havia um grande desejo interno por mais humanidade, pelo resgate da esperança.
Para o autor, é como se o movimento de expansão tecnológica pelo qual o mundo
passava na época estivesse diametralmente em oposição à autonomia do ser humano,
cada vez mais circundado pelo que acabou sendo chamado de “cultura de massa”.
Inicia a obra tratando do relacionamento
que o homem tem com a sua razão. Algo que, de tão concreto, tende a ser difícil
de ser explicado por nela não haver sentimento e, em não havendo sentimento,
não haveria reflexão. Logo no início do capítulo 1 “Meios e fins”, tende a nos
levar a considerar se a razão não pode ser um acumulado de “desculpas” ou
“justificativas” para uma determinada decisão que provavelmente tenha sido
tomada de maneira emocional, principalmente se implicar na sua sobrevivência ou
do seu grupo. Seria o que ele chamou de “razão subjetiva”.
Dessa maneira, ele contesta o pensamento
ocidental que relaciona diretamente a ração com pensamento objetivo e
utilitarista. Como exemplo desse pensamento tradicional, cita “A República” de
Platão. Criam-se então duas definições distintas de razão. Na visão
subjetivista, a razão está muito mais ligada ao propósito do que ao objetivo.
Horkheimer não se considera “descobridor” dessa segunda razão. Para ele ambas
sempre existiram e viveram concomitantemente. Ele apenas passa a referenciá-la
como algo distinto.
A razão “subjetivada”, segundo o autor,
contém elementos provenientes de questões éticas, políticas, além das crenças
do indivíduo, dentre outros e que não necessariamente sejam provenientes de
escolhas conscientes desse mesmo indivíduo. Dessa maneira, a razão não seria
algo separado da emoção, mas quase sempre subordinada à ela, contrariando o
pensamento que perdurou durante séculos, que concebia a razão como “compreensão
universal”.
A “razão objetiva” estaria ligada à
natureza do homem, com algumas variações referentes a diferenças geográficas,
idade, sexo e outros fatores, mas mesmo assim não fugiria da “compreensão
universal” segundo muitos filósofos durante séculos.
A razão objetiva presente na filosofia
durante muitos séculos enfrentou o pensamento religioso, principalmente
Cristão, dotado de dogmas. Um dos principais embates era sobre a base das
decisões do Homem. Enquanto a Igreja defendia que as mesmas deveriam ser
tomadas de acordo com a palavra de Deus, a Filosofia trazia a reflexão e a
razão, inclusive para a definição dos parâmetros morais. Essa “briga” teve
bastante ênfase no Iluminismo. Ao enfatizar demais a razão objetiva como
contraponto da religião, os iluministas acabaram fazendo com que a tão desejada
objetividade perdesse parte de sua força.
As “verdades” advindas da razão passaram
a ter caráter regional, conforme a cultura de cada nação. Isso ficou bem claro
nas revoluções americana e francesa. Essa ideia de nação e o interesse
individual baseado na razão geraram diversas contradições na sociedade
industrial, levando ao que poderia ser o pensamento coletivo de uma nação, uma
coesão social, a casos de ideologias que acabaram mantidas pelo terror como o
fascismo, ou se tornaram instrumentos do processo industrial. A
instrumentalização das ideias acabou tirando das mesmas significado próprio.
A razão usada como elemento formal de
direcionamento e limitação é vista pelo autor como um forte elemento de
manipulação de uma população. A desumanização do pensamento foi considerada por
ele, inclusive, como uma ameaça à democracia. Sem o seu fundamento racional, o
autor defende que a democracia se torna orquestrada pelas forças econômicas.
Hoje em dia, a ideia da maioria – o
chamado senso comum – desligou-se de suas raízes históricas tornando-se uma
miríade de vereditos calcados na irracionalidade e forjados pela manipulação da
massa em todas as áreas. Presume-se que alcançar objetivos dependa da
formalização da razão, valorizando o utilitarismo e a produção em detrimento do
pensar pelo pensar. Tudo precisa estar baseado em probabilidades e ser possível
de ser colocado à prova
Aparecem então as contradições entre a
filosofia e o pragmatismo. Enquanto a primeira leva o homem a busca de uma
compreensão final da sua própria razão, o segundo busca transformar tudo em
atividade prática, em aferir o pensamento. Como máxima da transformação da
formalização da razão em estupidez, Horkeimer cita a obra de Aldous Huxley, em
que tudo, inclusive as pessoas, são programadas, classificadas e padronizadas e
o pensamento dá lugar a ideias estereotipadas
Afirma que hoje há uma visão geral de
que nada se perdeu com o declínio do pensamento filosófico em prol do
pensamento científico, enfatizando a defesa dos positivistas da confiança na
ciência quando usada de modo adequado – construtivo. Critica a visão dos
positivistas no que tange ao excesso de glorificação da tecnologia e da crença
que a salvação da humanidade estaria no racionalismo científico. Por outro
lado, considera coerentes as críticas dos positivistas ao uso da razão como
ferramenta de poder por regimes totalitários ou como ferramenta de manipulação.
Em contrapartida, ressalta a visão dos
tomistas modernos quanto ao uso das adaptações filosóficas de preceitos
religiosos para a cultura de massa como um elemento de equilíbrio, apesar de
algumas adaptações bastante superficiais, distorcidas ou banalizadas. O que
poderia propiciar uma reaproximação entre a ciência e as doutrinas religiosas,
como nos tempos de Tomás de Aquino, parece cada vez mais afastá-las entre si
pelos problemas acima citados e pela artificialidade das adaptações. Mais
adiante na obra, o autor lembra que o posicionamento da Igreja moderna em
relação à ciência varia conforme seu comando, se mais tradicional ou mais
liberal.
A discussão passa a ser o quão dogmático
as duas visões – positivista e neotomista – podem ser, mesmo atuando em
direções opostas. O absolutismo científico e o obscurantismo de alguma maneira
caminharam para esse destino extremo quase que incontestável, fanático, cada um
na sua vertente.
Ao citar Dewey, Horkeimer lembra o
quanto foi possível por meio da ciência levar a humanidade à evolução, mas sem
posicioná-la como a única possibilidade para esse avanço, criticando
profundamente a banalização que os positivistas fazem do contexto filosófico,
bem como o posicionamento também extremo dos neotomistas diante da filosofia e
das doutrinas.
Já a ciência moderna começa a buscar
interfaces entre a pesquisa científica em si e o contexto social. Mesmo assim é
possível achar posições extremas dentre os intelectuais modernos, buscando o
senso comum em detrimento das complexidades e contradições tanto da ciência
quanto da filosofia.
O destaque para a razão ou para a
filosofia variou conforme o período histórico. Além dos exemplos já citados
houve também a época em que o humanismo buscou unir a sociedade pela
compreensão comum, o que hoje com a tecnologia cada vez mais valorizada foi
substituída pelo “chamado” de trazer o homem para a ação, para o resultado
prático e cada vez mais imediato. O que se vê também é a instrumentação cada
vez mais forte em um cenário em que o homem busca ressurgir como sujeito
autônomo, e com a sua compreensão do mundo baseada em critérios subjetivos, e
sua ação baseada na dominância dos outros seres, seja pelo conhecimento
científico, seja pela determinação das palavras da Bíblia.
Por mais que as linhas de pensamento se
afastem, é possível enxergar uma relação direta entre os recursos intelectuais
e psicológicos e os meios de produção. O homem se torna cada vez menos
dependente de padrões absolutos enquanto aumenta a cada dia a sua dependência
da tecnologia e sua passividade diante dela.
Na terceira parte da obra, Horkeimer
passa a refletir sobre essa relação do homem com a sua sobrevivência na
modernidade. Enredado em um sistema do qual não consegue escapar para
sobreviver nele, esse homem precisa lançar mão cada vez mais da subjetividade
para poder ser adaptar a tantas variáveis. Cada vez mais livre na escolha de
seus comportamentos e cada vez mais envolvido pelo sistema.
A “ciência” acaba sendo um forte fator
de indução do homem, principalmente nas tentativa de influenciar as suas
escolhas que acabam sendo feitas pela subjetividade, muitas vezes resultado da
influência da propaganda produzida a partir da experimentação científica. A
palavra se banaliza transformando-se em hipocrisia a partir de enredos
pré-definidos. Caracteriza a sociedade como que se estivesse a serviço dos
meios de produção e não o contrário, excetuando aqui o grupo dominante que
utiliza-se da ciência para tentar dominar o pensamento e direcionar o
comportamento do homem, que as vezes acata a escolha feita para ele como se
fosse uma escolha feita por ele.
Outro ponto importante levantado por
Horkeimer, é a insensibilidade e o sentimento de dominância do homem seja com a
natureza, seja com os animais originário da Bíblia e fortemente encontrado na
ciência. Compara o subjugar do homem com a natureza, com ação semelhante que
faz com o próprio homem, relacionando essa postura com o Ego crescente desse
homem que não considera nem sua própria espécie a subdivide em clãs, fazendo
valer a lei do mais forte.
Caracteriza a indução da sociedade sobre
homem, entre outros motivos, à terceirização das responsabilidades. Pais
deixando a formação de seus filhos sendo feita pelas escolas, que nada mais são
do que estabelecimentos comerciais onde a criança imitará o que lá vir. O
progresso cultural se sobrepondo à educação individual.
Essa retirada da personalidade do
indivíduo seria a base da fixação dos regimes totalitários, independentemente
da ideologia, inclusive utilizando os impulsos naturais reprimidos a seu favor.
E, para combater toda essa racionalidade, o autor fala da “revolta da natureza”
buscando elementos na teoria de Darwin sobre a adaptabilidade e a capacidade de
transformação e reação da natureza diante da ação do homem que poderia tê-la
como exemplo.
Associa o que chama de crise da razão a
uma também crise, mas essa sendo do indivíduo. A individualidade, tão em pauta
desde os tempos de Sócrates, na era atual entra em crise pela percepção da
diferença entre a vida individual e a vida da coletividade. Nesse período
histórico essa relação do indivíduo consigo mesmo passou por fases distintas
desde a valorização da alma eterna pregada pelo Catolicismo em detrimento do
homem vivendo na Terra, com a divinização da nobreza até a visão do liberalista
das sociedades urbanas tomadas pelos microempresários. Apesar de todos os
fatores sociais, Horkeimer defende que a chama interna do homem, do indivíduo,
ainda está viva, apesar de constantemente correr riscos de ser sufocada pela
coletividade ou pelo interesse de pequenos grupos que estejam no poder.
O avanço dos meios de produção tornaram esse
movimento do coletivo cada vez mais forte, agora norteado por metas e
resultados tangíveis. O político e o econômico se sobrepondo à ideologia
religiosa e moral
Apesar de fortemente presente, a
tecnologia não pode ser considerada a responsável por toda essa mudança, mesmo
tendo fortemente contribuído com ela. Responsabiliza-se a crise de
relacionamento entre os homens, entre os indivíduos respeitando e valorizando a
singularidade de cada um. Cabe agora ao homem utilizar-se da filosofia para
recuperar a sua capacidade crítica – não com o intuito de combater outros
homens – mas para trazer a sua reflexão individual sobre si mesmo, nas suas
relações.
Karen
Gimenez, aluna especial de Mestrado, 14 de agosto de 2018.
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