Resenha Literacias emergentes nas redes sociais
Resenha artigos Passarelli, B., “Literacias emergentes nas redes
sociais: estado da arte e pesquisa qualitativa no observatório da cultura
digital” e Passarelli, B.; Kiyomura, J., “Atores em rede: etnografia virtual no
programa Acessa SP”[1]
Ana Claudia Fernandes
Gomes[2]
A coletânea Atores em rede: olhares
luso-brasileiros, organizada por Passarelli e Azevedo, é produzida em um
contexto de “comunicação pós-massiva de uma sociedade em trânsito” (Sousa), com
rupturas e ressignificações sociais, políticas e culturais. A categoria “atores
em rede” (Latour) é apresentada em um cenário de “comunicação em rede”
(Cardoso) e “autocomunicação de massa” (Castells). Nas interfaces sociais da
Comunicação e Educação, os atores em rede recriam os sentidos da aprendizagem e
as habilidades de interação, que exigem novas competências: as literacias
emergentes. Esta ecologia educacional descentralizada baseia-se no paradigma
das redes, que pressupõe a colaboração entre pares, a mediação, a
intersubjetividade e a afetividade nas relações estabelecidas entre ator e
rede. Trabalhos etnográficos desenvolvidos pelo NAP – Núcleo de pesquisa das
novas tecnologias de comunicação aplicadas à educação Escola do Futuro USP e
pelo Cetac.media – Centro de estudos de tecnologias e ciências da comunicação
Universidade do Porto são apresentados na coletânea como constatação de que “o
nosso futuro é o que se experimenta hoje” (p.14).
As literacias emergentes nas
redes sociais são apresentadas por Passarelli a partir da necessidade de
revisão de conceitos, configurados pelas transformações sociais. Dicotomias
como modernidade x contemporâneo pós-moderno; autoria individual x coletivos
digitais; copyright x copyleft;;
invisibilidade e anonimato x diluição da privacidade e exposição exacerbada;
relações verticais de poder x horizontalidade das relações na web possibilitam
a compreensão da sociedade em rede contemporânea ou em outras palavras, a
compreensão do mundo contemporâneo conectado e inscrito em códigos neurais e
computacionais. Segundo a autora,
“cada
vez mais experimentamos uma realidade sociotécnica construída em um ambiente
híbrido: uma rede física (de cabos) e lógica (de softwares) imbricada numa rede
de relacionamentos na qual se constroem e se divulgam novas percepções,
conhecimentos, atitudes e personas” (p.65).
Conceitos como “identidade
virtual” (Turkle), “comunidades virtuais” (Rheingold), “virtualidade,
inteligência coletiva e interatividade” (Lévy), “inteligência conectiva”
(Kerckhove), “convergência” (Jenkins) caracterizam o “estado da arte” das redes
sociais, que incorporam as características interativas das mídias digitais e
constituem a cultura do digital ao anunciarem as literacias emergentes.
Ao considerar a rede como
nova fronteira do pensamento, Latour desenvolve a “teoria do ator-rede” que
inclui atores humanos (actor) e atuantes
não humanos (actants), partindo de estudos
antropológicos e construindo narrativas de experiências etnográficas.
Metodologia também utilizada nos estudos teórico-metodológicos sobre a
sociedade em rede desenvolvidos pelo NAP, com destaque para o AcessaSP,
programa de inclusão digital, desenvolvido em parceria com o governo do estado
de São Paulo, “com cerca de 595 telecentros no estado, 45,5 milhões de
atendimentos e 1,9 milhão de usuários cadastrados” (p.22). A autora apresenta
indicadores mundiais e locais de conectividade, com destaque para a liderança
do Brasil no cenário da América Latina e destaca o programa AcessaSP que
permitiu identificar duas “ondas” da sociedade conectada em rede: a inclusão
digital (aprendizado de ferramentas básicas de navegação na web) e a geração de
nativos digitais (diferentes formas de apropriação e de produção do
conhecimento na web).
Com base na pesquisa TIC
Domicílio 2009, publicada pelo jornal O
Estado de São Paulo em maio de 2010, que revela que 86% dos brasileiros
conectados à internet acessam redes sociais (MSN, Orkut, Twitter e Facebook),
durante 5 horas/mês e 51% pertencem às classes C, D e E, Passarelli enfatiza a
necessidade do desenvolvimento de literacias para os atores que consomem e
produzem informação e afirma que “os letrados da sociedade em rede são aqueles
capazes de ler, escrever, interagir, comunicar-se por meio dessa linguagem
multimídia, reconhecendo as práticas sociais e gêneros textuais que envolvem
cada elemento dessa interface” (p.73). As “literacias digitais” (Gilster) foram
mapeadas por Eshet-Alkalai e classificadas em cinco grupos, de acordo com
habilidades cognitivas e não-cognitivas, conectadas às literacias educacionais
e necessárias para o ambiente digital: fotovisual (decodificação de interfaces
visuais); pensamento hipermídia (interação com estruturas não-lineares e
hipermidiáticas); reprodução (reprodução dessas estruturas); socioemocional
(engajamento, participação e colaboração); informação (conhecimento e recriação
de recursos informacionais).
Mais
que habilidades cognitivas, as literacias são práticas sociais, que além de
demandarem artefatos físicos e conteúdos relevantes, demandam políticas
públicas que garantam a inclusão, a produção e fruição dessa cultura digital, e
que estejam pautadas nos direitos à educação, ao conhecimento e à informação.
Projetos educacionais devem ser promovidos nos âmbitos formais, não-formais e
informais para a consolidação da cidadania digital. A “geração internet (jovens
entre 14 e 30 anos)” (Tapscott) já apresenta competências como: “liberdade de
escolha, customização, espírito de investigação, integridade de princípios,
colaboração, entretenimento todo o tempo, velocidade e inovação” (p.77), o que também
foi observado na etnografia virtual com o público do AcessaSP, que em 2007 indicou
e descreveu “dois fenômenos no uso das redes sociais característicos da
internet brasileira: o Orkut e a lan
house” (p.171), referências de novas formas de sociabilidade, já
ressignificadas, da sociedade em rede.
Parafraseando Passarelli, “last, but not least”, o futuro está
desenhando-se, permanente e impermanentemente. Diante das impermanências, vale
citar Fernando Pessoa; “sinto-me nascido a cada momento/ para a eterna novidade
do mundo”.
Referência
PASSARELLI, B. e AZEVEDO, J. (orgs.) Atores em rede: olhares
luso-brasileiros. São Paulo: Senac São Paulo, 2010.
[1] Resenha
elaborada como aproveitamento da disciplina “Novas lógicas e literacias
emergentes no contexto da educação em rede: práticas, leituras e reflexões”,
ministrada pela Profa. Dra. Brasilina Passarelli. Programa de
Pós-graduação em Ciências da Comunicação. CCA/ECA – Universidade de São Paulo.
Setembro de 2019.
[2] Doutoranda do Programa de
Pós-graduação em Ciências da Comunicação ECA/USP. Mestre em Sociologia
FFLCH/USP. anaclaufg@gmail.com
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