Resenha - Literacias emergentes nas redes
sociais: estado da arte e pesquisa qualitativa no observatório da cultura
digital
PASSARELLI, B.; Azevedo, J. (Orgs.). Atores em rede: olhares luso-brasileiros. São
Paulo: Editora Senac SP, 2010. Página 63 a 78. Página 163 a 186.
Construção
do conhecimento até o século XX se deu numa lógica racionalista para nomear,
classificar e ordenar a natureza a partir de uma perspectiva centrada do
humano. Embora a percepção atual esteja permeada por novas logicas como a
complexidade e transitoriedade dos fenômenos da sociedade em rede, ainda
convive com coordenadas de compartimentalização das informações.
Teoria
da comunicação no século passado a partir de outras disciplinas como filosofia,
sociologia e linguística. Funcionalismo de Emile Durkheim e Marcuse e Adorno da
Escola de Frankfurt. Nos anos 1970, teorias de estudos culturais e de recepção ganharam
impulso na américa latina especialmente com os trabalhos de Martín-Barbero.
Anos
1980 as formas tradicionais de ordenamento do mundo sofreram um abalo epistemológico,
e menos de uma década depois há o surgimento de uma sociedade em rede conectada
pela internet e pela interface multimídia e hipertextual da web. Com tantas transformações
mostra-se necessário uma revisão de conceitos como modernidade, autoria
individual, comunicação cientifica, invisibilidade e anonimato, relações verticais.
Mattelart
afirma que nossa percepção do mundo passa pela perspectiva matemática: a classificação
e ordenação do mundo e a interpretação das relações sociais segundo indicadores
matemáticos e estruturais convivem com as avaliações qualitativas das relações potencializadora
pela rede.
Apresenta-se
uma realidade sociotécnica híbrida, com uma rede física de cabos e logica, de
softwares imbricada numa rede de relacionamentos na qual se constroem e se
divulgam novas percepções, conhecimentos, atitudes e personas.
David Silver distingue três gerações
de estudos sobre cibercultura: primeira como uma descrição jornalística sobre o
tema, segunda como estudos sobre cibercultura com teor acadêmico e terceira com
estudos críticos a respeito do tema.
Passarelli destaca as contribuições dos
autores Howard Rheingold com o conceito de comunidades virtuais, Pierre Levy e
a inteligência coletiva, virtualidade e interatividade, e Derrick de Kerckhove,
esse último que sugere a noção de inteligência conectiva.
Henry Jenkins observa que a digitalização
estabelece as condições para a convergência, no qual, meios caracterizados pela
unidirecionalidade convivem, competem e colaboram com as mídias interativas,
permitindo um fluxo de conteúdo por canais diferentes e com formas diferentes
de recepção.
Somente quando uma rede de
computadores possibilita a interação mediada entre pessoas, organizações e instituições,
é que podemos falar em redes sociais, que incorporam as características interativas
das mídias digitais e constituem uma cultura do digital.
A convergência das mídias é mais do
que uma mudança tecnológica, ela altera a relação entre as tecnologias
existentes, industrias, mercados, gêneros e públicos. Ou seja, modifica toda a lógica
pela qual a industrial midiática opera.
Vivemos hoje a decadência da pratica
cultural de cânones, com estrutura rígida e hierárquica de classificação e organização
de informação e dos bens culturais. Lessig fala da transformação da read
culture para read write culture, com uma produção de novas formas de ver e produzir
cultura e conhecimento. Juntamente com isso, vem uma nova configuração econômica,
de um mercado que em virtude das transformações advindas dos comportamentos dos
consumidores busca adaptar-se.
Barabási e Shirky afirmam a busca
por novos modelos de atuação a partir dessa forma não institucional de organização
das atividades econômicas e informacionais dentro das empresas. Duncan Watts
afirma que a sociedade em rede é uma estrutura emergente que não depende de
grupos específicos para disseminar a informação, permitindo interações entre
todos os elementos.
A rede não mais só como uma forma de
comunicação mas também como uma nova fronteira de pensamento.
Bruno Latour desenvolveu a teoria do
ator-rede, que considera variáveis tanto os atores humanos quanto os não humanos,
buscando romper a divisão sujeito-objeto para pensar a crise da ação do sujeito
sobre a natureza.
Com
a finalidade de pensar e pesquisar a rede, a escola do futuro-Usp instituiu em
2008 o observatório de cultura digital: concentra-se em estudos teórico epistemológicos
sobre a sociedade em rede, para observar e descrever etnograficamente as conexões
que estruturam as tramas da rede, analisar seus flexíveis eixos sociais, técnicos
e sociotécnicos, refutando a noção determinista e instaurando dessa forma a
etnografia virtual.
Apresenta
os indicadores globais e locais de conectividade, dados sobre conexão à
internet no cenário latino americano, como a disparidade entre as zonas urbanas
e rural.
Distinguem-se
duas ondas na sociedade em rede: primeira onda residia a questão da inclusão digital,
na segunda, vivida atualmente, existem os nativos digitais, e assim, a preocupação
principal não é o aprendizado de ferramentas básicas mas sim as diferentes
formas de apropriação e produção de conhecimento na web.
Centro
de debate é em que medida a inclusão digital e práticas sociais e educacionais vigentes
nas culturas conectadas são instrumentos de inclusão social.
Esse
momento de transição demanda um deslocamento de foco teórico. Caracterizar e
estudar as diferentes literacias geradas no contexto da sociedade em rede, na
qual a linguagem multimídia da tela se torna o meio mais comum de comunicação e
entretenimento.
A
literacia caracteriza-se por indicar a habilidade de usar a informação de
maneira efetiva e criativa. Na passagem da cultura letrada à cultura das mídias
e da convergência, marcada pela não linearidade e pela interatividade, o
conceito de literacia se expande, abrangendo as competências do usuario para
explorar esse potencial multimídia.
Gilster
cunhou a o termo literacia digital para designar a habilidade de entender e
utilizar a informação de múltiplos formatos e de várias fontes quando
apresentada por meio dos computadores.
Eshet
Alkalai classificou as literaciais em cinco grupos: fotovisual, pensamento hipermídia,
da reprodução, socioemocional, e da informação.
A
literacia compreendida como conjunto de práticas sociais e não apenas como
simples e especifica habilidade cognitiva, depende de uma série de recursos: artefatos
físicos, conteúdo relevante advindo dos meios, habilidades apropriadas,
conhecimento e atitudes por parte dos usuários, tipos mais adequados de suporte
sociais e comunidade.
Levam
a uma conclusão inevitável: a aquisição de literaciais é uma questão não apenas
cognitiva, mas também de cultura, poder e política. Assim, projetos
educacionais com forte utilização da web e redes sociais, tanto na educação formal
como na educação para a cidadania, precisam ser incentivados a fim de
sedimentar a inserção da população menos privilegiada social e economicamente
na sociedade em rede em condições de competitividade global.
Atores em rede: etnografia
virtual no programa Acessasp
Os
programas de inclusão digital no Brasil corroboram o surgimento de uma
sociedade em rede capaz de exercer democraticamente o papel na política e na
economia do país. O programa Acessasp vigora há nove anos, uma rede de educação
não formal cujos usuários, 1,9 milhões de pessoas cadastradas, usufruem de
acesso às novas tecnologias da informação e comunicação em 600 postos de
atendimento e 540 municípios do estado de São Paulo.
Tem
contribuído para o desenvolvimento social, intelectual e econômico dos cidadãos,
com oficinas, cursos e capacitações. Desde 2003 realiza com os usuários uma
pesquisa chama Ponline, permitindo analise de perfil, atitude e hábitos em relação
à internet e tendências.
O
novo paradigma da rede passa a ser visto como redes múltiplas, nas quais a expressão
da subjetividade abre possibilidades e mediações para transformar a realidade
social por intermédio de um processo comunicativo com consequências sociais.
Latour
afirma que rede é um conceito, não uma coisa. Desde os anos 2000 ficou em
evidencia a liberdade de produção, organização e publicação de conteúdos,
chamadas por Castells de formas socializantes da comunicação mass self communication: redes auto
organizadoras e autosselecionadores em uma comunicação de muitos para muitos.
Turkle
ressalta que nas redes a identidade se mostra fluida, múltipla. Rheingold
relata o surgimento de processos colaborativos com as tecnologias da cooperação,
mostrando vários casos em que a multidão conectada se articula em torno de
interesses comuns.
Os
espaços perderam seu status solido para ganhar contornos fluidos e adaptáveis,
sem centro nem periferia. Referência à Bauman, que acredita que a globalização trouxe
uma modernidade liquida, caracterizada pela necessidade de não territorialidade
das transações políticas-econômicas, pelas trocas culturais e saberes locais, e
pela fluidez das informações sem barreiras.
O
sujeito reformula seus hábitos de leitura e atuação, essa é a característica que
diferencia o indivíduo na sociedade em rede: a interatividade como meio de ação
e atuação. Ser sujeito na rede não é exprimir uma essência ou natureza, mas ser
um sujeito processual, que está e se expressa na rede. Não há mais separação entre o artificial e o
natural, o virtual e o real.
Michel
Serres desenvolve o conceito de filosofia mestiça, em que a rede se apresenta
como um campo heterogêneo de tensões, produzidas por uma infinidade de pontos
interligados, nos quais nenhum é privilegiado perante os demais: multiplicidades.
Bruno
Latour formulou a teoria do ator em rede, pensando a realidade comunicativa em
rede considerando as formas de hibridação e mediação. A verdade e o erro, a
natureza e sociedade, humanos e não humanos são considerados igualmente.
A
palavra ator limita-se aos significados humanos, mas actante (atuante)
emprestado da semiótica, permite incluir os elementos não humanos no interior
da definição e saber que o ator também é produtor de subjetividade.
Michel
Maffesoli relaciona essa mudança de tratamento das noções ligadas ao
pertencimento à analise histórico social que Max Weber faz da comunidade
emocional, categoria essa que refere-se a algo que nunca existiu de verdade,
mas que pode servir como revelador de situações presentes. Permanência e
instabilidade são os dois polos em torno do qual se articulará o emocional. Para
ele, o sujeito é caracterizado por identificações moldadas segundo a fugacidade
e instantaneidade das relações, seja por hábitos de consumo ou pela própria relação
afetiva.
Ciberdemocracia
é um termo recorrente que vem ao encontro da ação dos sujeitos na rede e seus
direitos e conquistas como cidadãos, não mais de um país, mas de uma comunidade
mundial de serviços prestados online.
Ponline
revela dois fenômenos: Orkut e Lan house. Motivos são fazer novos amigos,
conversar com amigos, criar comunidades e editar suas páginas pessoais.
Passarelli
afirma que o mundo globalizado caracterizado por intensos fluxos de capitais, produtos
e informações exige de seus cidadãos novas competências, e as contribuições da
tecnologia são fundamentais para o ensino e aprendizagem.
Trabalhar
com inclusão digital não é apenas dar acesso, mas é dar oportunidade de apropriação
da tecnologia social disponível no momento.
A
partir de questões em torno da investigação do perfil do usuario do programa
realizou-se uma pesquisa de método qualitativo com coleta de dados em grupo de discussão.
Em média oito a doze pessoas, com duração de 90 a 120 minutos com presença do
moderador e posterior transcrição do material coletado.
A
partir da análise da pesquisa, ficou evidente que o Acessasp não é apenas um
programa de inclusão digital mas sim um programa de cidadania. Foram propostos
indicadores relacionados ao perfil, são eles: estudo e trabalho, lazer, relação
com a cidade e com a família, cultura e lazer, religião, esporte, e indicadores
relativos ao uso das redes sociais.
Por
meio da pesquisa qualitativa aplicada é possível observar comportamentos e
realidades múltiplas.
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