Onlife Initiative. "The onlife manifesto." The Onlife
Manifesto. Springer, Cham, 2015. 7-13.
A implantação
das TICs na sociedade afeta as condições humanas e transforma as formas de
interação do ser humano e estruturas de referência estabelecidas: a indefinição
da distinção entre realidade e virtualidade; a indefinição das distinções entre
humano, máquina e natureza; a inversão da escassez de informações para a
abundância de informações; e a mudança da primazia das entidades para a
primazia das interações.
O mundo é
apreendido pelas mentes humanas através de conceitos. No entanto, a caixa de
ferramentas conceitual atual do ser humano não está preparada para abordar
novos desafios relacionados às TICs e elabora projeções negativas sobre o
futuro: temos medo e rejeitamos aquilo de que não conseguimos dar sentido.
A partir
dessas projeções negativas que um grupo de 15 estudiosos de várias áreas do
conhecimento iniciou o Manifesto Onlife
visando atualizar os conceitos a partir da existência das TICs no espaço
público, na política e nas expectativas da sociedade. É uma iniciativa à
reflexão sobre novas referências para construção de políticas em um mundo
hiperconectado.
Ideias que impedem a capacidade de
fazer política para enfrentar os desafios de uma era hiperconectada
Suposições da
modernidade: desvendar os segredos da natureza e considera-lo um reservatório
infinito e passivo; o progresso como utopia central; busca de uma postura
onisciente e onipresente; desenvolvimento científico que trouxe uma lista
interminável de novos artefatos; divisão entre artefatos tecnológicos e
natureza; racionalidade e razão desencarnada; a ética como uma questão de seres
autônomos, racionais e desencarnados, e não uma questão de seres sociais;
responsabilidade atribuída a indivíduos; padrões hierárquicos; busca pelo
controle por organizações políticas e cosmovisões modernas.
Os autores acreditam
que as restrições e reconhecimentos da era computacional desafiam profundamente
algumas dessas suposições. As TICs exigem noções de responsabilidade
distribuída e não mais uma responsabilidade individual na aplicação de
artefatos tecnológicos; Ao permitir sistemas multiagentes e abrir novas
possibilidades para a democracia direta, as TICs desestabilizam e exigem que se
repensem as visões de mundo e as metáforas subjacentes às estruturas políticas
modernas.
Medos e riscos em uma era
hiperconectada
Na era
moderna, conhecimento e poder estão profundamente ligados ao estabelecimento e
manutenção do controle. Este em excesso, à custa da liberdade, ou da falta
dela, à custa da segurança e da sustentabilidade são medos e riscos levados em
conta. Porém, o mundo atual se encontra em meio a crises e é difícil
identificar quem tem o controle sobre o quê, quando e dentro de que âmbito no
contexto de responsabilidades distribuídas e emaranhadas. Isso pode levar a atitudes
irresponsáveis e perda de confiança de empresas e governos.
Experimentar a
liberdade, a igualdade e a diversidade nas esferas públicas torna-se
problemático em um contexto de identidades cada vez mais mediadas e interações
calculadas, como perfil, publicidade direcionada ou discriminação de preços.
A abundância
de informações também pode resultar em sobrecarga cognitiva, distração e
amnésia (o presente esquecido). Outras vulnerabilidades surgem, como jogos de
poder em esferas on-line que levam a
falta de poder das pessoas a partir da manipulação de dados. Nesse contexto, se
faz necessário a partilha justa de poder e responsabilidades das autoridades
públicas, agentes corporativos e cidadãos.
Agarrando os desafios
O que
significa ser humano em uma era hiperconectada? Essa é uma questão fundamental
para abordar os desafios dos nossos tempos, dando privilégio aos pares duais
sobre as dicotomias.
No mundo
"onlife", os artefatos
deixaram de serem meras máquinas que simplesmente operam de acordo com
instruções humanas. Eles mudam de estado de forma autônoma e a partir da
manipulação de grandes dados criam oportunidades infinitas para ambientes
adaptáveis e personalizados. Alguns filtros ainda promovem a ilusão de objetividade
e imparcialidade da realidade, mas também abrem espaços para novas interações
humanas e práticas de conhecimento.
A
onisciência/onipotência começa a ser percebida como atingível pela grande
circulação e processo de informação, mas se for abordado questões como propriedade, responsabilidade, privacidade e autodeterminação esse monstro
onisciência/onipotência deixa de existir.
Há uma
necessidade de reavaliar as noções percebidas de responsabilidade individual e
coletiva, como também, distinguir o que é natural e o que é intencional nas
interações e densidade dos fluxos de informação para que a complexidade não
seja encarada como contigência. A complexidade das interações e a densidade dos
fluxos de informação não são redutíveis apenas ao planejamento humano a partir
do momento que os artefatos humanos tomados globalmente escapam do seu
controle. Nesse contexto, ordens naturais e intervenções de diferentes agentes
nestes sistemas sociotécnicos surgirão.
Público e Privado
A implantação
das TICs desfaz a compreensão e estabelece indefinições sobre o que são espaços
públicos e privados e suas dualidades: empresa privada vs instituição pública,
acervo público vs acervo privado; a internet ampliou a extensão do espaço
público e o acesso é possível mesmo em ambientes privados; cresceu o foco no
uso à custa da propriedade.
Apesar disso,
os autores consideram importante a distinção do que é público e privado. Hoje,
o primeiro está associado ao domínio da
exposição, da transparência e
responsabilização. O segundo se associa à intimidade, autonomia e ao
abrigo do olhar do público.
Os autores
defendem que a esfera pública propicie um espaço tanto de abrigo quanto de
exposição do público, promovendo interações e compromissos que incorporem a intransparência
empoderada de si, a necessidade de auto-expressão, chance de se reinventar,
performance da identidade, como também a generosidade do esquecimento
deliberado.
Mudanças conceituais com
conseqüências relevantes para uma boa governança onlife
A era moderna
criou um paradoxo sobre o conceito da liberdade. Na esfera política o
"eu" é considerado individual, autônomo e desencarnado. Já na esfera
científica, o "eu" é considerado como analisável, previsível e
passivo a ações de outros.
Os autores acreditam
que é hora de quebrar esses relatos contraditórios e entender o "eu",
em termos políticos, como livre e social, ou seja, que a natureza contextual
humana é responsável tanto pelo caráter social da existência humana quanto pela
sua imprevisibilidade. É com esse olhar que as políticas no âmbito da
experiência Onlife devem ser moldadas.
Tornando-se uma Sociedade
Digitalmente Alfabetizada
Para que a
sociedade torne-se digitalmente alfabetizada é preciso que haja um entendimento
sobre a relação do humano com as tecnologias em geral e às TICs. Um dos
obstáculos a ser superado é a sensação de onipotência e onisciência em que leva
alguns a usarem outras como instrumento. Assim, as políticas devem se basear em
uma investigação crítica de como os assuntos humanos e as estruturas políticas
são profundamente mediadas pelas tecnologias e vice-versa, como quem
"constrói a jangada enquanto nada".
A abundância
de informações, como ocorre no "Big data", por exemplo, transforma
aspectos conceituais e práticos. Anteriormente, o controle estava relacionado
ao acúmulo de informações e expansão cognitiva. Hoje, a descrição do dia-a-dia
a partir de um excesso de informação está cada vez menos significativo e menos
eficiente. Os autores defendem a proteção da atenção contra sua venda como
mercadoria em processos de trabalho, por exemplo, pois ela é condição crítica e
necessária para a autonomia,
responsabilidade, reflexibilidade, pluraridade, presença engajada e senso de significado. Além de oferecer
escolhas informadas, as configurações padrões e outros aspectos projetados de
nossas tecnologias devem respeitar e proteger os recursos atencionais.
Por fim, os
autores defendem uma atenção coletiva dada à própria atenção para florescer
interações humanas e a capacidade de se engajar em ações significativas na
experiência da vida.
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